Pode ser apenas outubro, mas já estamos prontos para declarar esta a nossa melhor foto de 2018. Porque as mulheres ainda estão lutando pelo o que merecem, mesmo nas estradas e trilhas dos esportes que tanto amamos. Cada comentário, curtida e compartilhamento desta foto reforça o que cada mulher já sabe: nós ainda não chegamos lá. Em um esporte que celebra a simplicidade e a liberdade, infelizmente continua complicado para as corredoras do sexo feminino darem a largada. Da preocupação de não poder adiar uma corrida dos sonhos devido à gravidez, ao estigma em torno da amamentação em público, aos salários e promoções desiguais – a corrida não está facilitando. O esporte não está dando às atletas do sexo feminino a oportunidade de largar igualmente preparadas, igualmente bem-vindas e igualmente celebradas. E isto importa.
Sophie Power não competiu na UTMB, uma corrida de 105 milhas (cerca de 170 km) ao redor do Mont Blanc, apenas três meses depois de dar à luz seu filho Cormac porque ela fazia questão de mostrar sua opinião ao mundo. Ela correu UTMB porque ela não estava disposta a desistir de um sonho que ela estava perseguindo por quatro anos. “Sim, se eu pudesse ter adiado, eu absolutamente teria feito isso”, diz Sophie. “Eu tive a minha vaga em 2014 e o perdi porque estava grávida e não consegui postergar. Eu tentei entrar para a corrida CCC [uma prova de 63 milhas (cerca de 100 km) que faz parte do festival de corrida da UTMB] em 2015, e depois em 2016 e 2017 tentei a UTMB. Eu perdi dois anos seguidos, o que significa que eu tinha uma vaga automaticamente em 2018”, explica Sophie. “Eu sabia que demoraria muito tempo até conseguir outra oportunidade.”
Em 2018, é quase inacreditável que os atletas possam obter a desistência de uma corrida por lesão, mas não por gravidez. Quase, mas não completamente inacreditável, pois acontece o tempo todo. Em um mundo onde falamos de CEOs mulheres e da criação de filhos com igualdade, uma torção de tornozelo ainda é considerada uma desculpa mais válida para desistir de uma corrida do que levar uma criança no ventre. As atletas perdem nas corridas que fizeram um esforço tremendo para se qualificarem, abandonam os sonhos que perseguiram há anos porque, por algum motivo, é muito difícil, complicado ou inconveniente demais permitir que elas desistam de sua vaga.
Sophie não queria abandonar uma vaga que ela trabalhou tão duro para garantir na largada da UTMB. Ela queria correr. “A UTMB, mesmo que eu nunca tenha pensado que estaria na linha de partida, era apenas uma data na agenda para dizer: Ok, toda semana eu vou para a academia e quando estiver no meu primeiro trimestre e estiver absolutamente exausta, ainda vou tentar manter a forma”, diz Sophie. “Era mais sobre: ‘Vamos garantir que estou tirando um tempo para mim” do que ‘Vamos garantir de que estou com um certo condicionamento físico ou eu estarei na linha de partida.’”
Enquanto a história da UTMB da Sophie ironicamente se definiu por essa foto, a UTMB se tornou exatamente o oposto para ela – ela lhe ajudou a encontrar uma definição de si mesma para além de ser uma mãe. “Há algumas corredoras realmente dedicadas que, quando se tornam mães, assumem uma nova identidade e querem desistir de todo o resto. Elas só querem ser mães e isso as torna verdadeiramente felizes”, diz Sophie. “Mas eu digo que há outro grupo enorme de mulheres por aí que não querem se perder. Que têm a necessidade de uma fuga. Elas nunca foram 100% nada antes. Todos nós temos tantas partes de nossas vidas e desistir de algo que parece muito importante para você é difícil.”
Ser atleta e mãe não é contraditório como somos normalmente levados a acreditar. É complementar. “Quando você volta para o seu bebê [após o treino], você tem toda essa energia para gastar com ele. Sou uma mãe melhor quando não estou passando 24 horas por dia com o Cormac. Uma mãe muito melhor. Eu posso ver isso em seu rosto. Toda vez que volto do treino, tenho mais energia e ele está realmente animado para me ver”, afirma Sophie.
Quando nosso fotógrafo Alexis Berg viu Sophie amamentando em um posto de ajuda de Courmayeur, ele sabia que estava testemunhando algo que merecia ser celebrado. Algo que era a definição de coragem, determinação e da beleza crua do esporte. E, até que ele se aproximou de Sophie, ninguém mais havia notado. “Esta é a coisa hilária, muitas pessoas dizendo ‘ela deveria ter se coberto’”, diz Sophie. “Se alguém viu um posto de ajuda em uma ultramaratona – são pessoas seminuas, pessoas desmaiadas, pessoas recuperando os seus pés. Ninguém tem interesse no que os outros estão fazendo. As únicas pessoas que notaram, além de Alexis, o fotógrafo, que não estava olhando para seus próprios pés e se alimentando, foram os médicos nas estações que eu bombeei que me ofereceram cobertores para me aquecer”.
Os postos de ajuda de uma ultramaratona são alguns dos ambientes mais crus e sem filtros do mundo esportivo. É por isso que nós os amamos. Eles estão onde os sonhos se soltam e são remendados juntos novamente. Eles são nojentos e bonitos ao mesmo tempo. Mas, de alguma forma, enquanto estamos todos acostumados a ver homens passando vaselina em qualquer rachadura que você possa imaginar, ou urinando basicamente em qualquer lugar, uma mulher amamentando ainda provoca descrença, ou até mesmo indignação. Já é hora de o mundo se acostumar com isso.